Do Fado ao Rap

Brasil Observer - abr 15 2016
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Fotos: Divulgação

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A fadista portuguesa Ana Moura e o rapper brasileiro Criolo representam o idioma português no festival latino La Linea, em Londres

 

Por Gabriela Lobianco

De um lado temos o Fado, estilo musical de tônica triste e amargurada que surgiu em Portugal no princípio do século 19. Ostenta o título de patrimônio da humanidade e hoje em dia é interpretado por expoentes da nova geração, como Carminho, o grupo Deolinda e Ana Moura.

Do outro lado, o Rap (abreviação de ritmo e poesia), gênero surgido na década de 1960 que declama em manifesto as lutas das periferias. Consolidado no cenário brasileiro principalmente com o grupo Racionais Mc’s, na década de 1990, nos últimos anos voltou aos holofotes com a ascensão de novos artistas, como Leandro Roque de Oliveira, o Emicida, e Kleber Cavalcante Gomes, o Criolo.

É nessa toada que o festival de música latina de Londres, o La Linea, que ocorre no mês de abril, traz em sua 16º edição dois expoentes representantes do universo da língua portuguesa que, à primeira vista, parecem não ter nada em comum. A fadista Ana Moura, que já está com o espetáculo do dia 19 de abril completamente esgotado (ainda há ingressos para a apresentação dela em setembro, no Barbican), e o brasileiro Criolo, que participa de uma miniturnê pelo Reino Unido, começando em Cambridge no dia 21 de abril e passando por Bristol (22), Leeds (23), Londres (24), Brighton (25) e Manchester (26).

Há quem pense que o Rap e o Fado são estilos musicais completamente distintos com suas harmonias e construções melódicas destoantes. Mas ambos trazem versos poéticos para contar histórias. Ana Moura teve a ideia de juntar os dois estilos quando foi ao Brasil. “Lembrei-me logo que poderia ser interessante juntar o Rap ao Fado, estes dois gêneros musicais tão distintos, mas igualmente urbanos, que contam histórias concretas e reais”, disse ao Brasil Observer. Criolo concordou. Para ele, existe uma “fusão de tudo com tudo na música”. E acrescentou: “só os homens têm fronteiras, as artes não”.

O produtor do evento, Andy Wood, afirmou que o festival prioriza uma representação abrangente de música latina contemporânea. “Este é o festival que deu ao Seu Jorge sua estreia no Reino Unido. Sempre estamos em busca do que é novo e interessante no Brasil”. Em junho, aliás, a produtora Como No, que organiza o La Linea, traz de volta a Londres o Bixiga 70, banda instrumentalista e dançante de São Paulo que estreou em solo britânico em janeiro passado. Wood acredita que uma audiência que esteja aberta para diferentes tipos de músicas pode se beneficiar com a diversidade do festival. “Esperamos que o público da Ana também confira o show do Criolo e vice-versa”, disse.

Apesar de se apresentarem em dias diferentes, tanto a portuguesa quanto o brasileiro estão em um período fértil de suas carreiras. Os dois estão com trabalhos novos. O novo álbum da fadista, Moura, surgiu, segundo a própria, de “uma vontade nova que tenho de me reinventar em cada disco, dai ter uma borboleta na capa, que simboliza essa ideia de metamorfose”. Embora os compositores e a produção sejam os mesmos do seu último trabalho, a cantora considera que o trabalho é “musicalmente mais arrojado que o anterior”. Não é para menos, pois conta com um dueto com Omara Portuondo, diva da Orquestra Buena Vista Social Club, que inclusive se apresentou em Londres no início de abril. Ana Moura participou de um concerto do grupo cubano há dois anos em Portugal e, ao gravar “Eu entrego”, pensou que tinha semelhanças com os ritmos de Cuba. “Achava que fazia sentido contar esta história de dois pontos de vista diferentes, do meu e do ponto de vista de uma voz mais amadurecida”, explicou.

Reinvenção acaba por ser também a temática de Criolo, que relança o seu primeiro e menos conhecido CD, Ainda há Tempo, de 2006, para celebrar a marca de dez anos deste início. A primeira tiragem do trabalho teve apenas 500 cópias, o que motivou o rapper reviver o disco e trazer aos fãs shows inéditos. “Penso que levo um tanto da minha história para o mundo e um tanto trago de volta aos meus”. Nesta concepção, cada faixa é acompanhada da apresentação num telão de LED de algo que remete à sua trajetória como artista. Além dos shows na Inglaterra, o artista se apresentará em varias cidades do Brasil. “Espero que, quem for, vá de coração aberto para dividirmos a boa energia que será gerada no momento e para o além”, contou Criolo ao Brasil Observer. O destaque fica por conta de “Chuva ácida”, que ganhou um videoclipe.

 

VELHOS CONHECIDOS

Os dois artistas já brilharam em um dueto no Festival de Fado do Rio de Janeiro, em 2013. A canção “Amor Afoito” foi o resultado desta parceria. Ana Moura disse que gosta de gêneros como o Rap, R&B e Soul, e que convidou Criolo para cantar com ela porque o acha extraordinário. “Acho que ele é um artista extremamente criativo e completo, raro nos dias de hoje.” O rapper não fica atrás nos elogios. “Ana Moura é uma pessoa espetacular e grande artista, dona de uma voz suprema, e a vida é assim, às vezes nos presenteia com algumas coisas maravilhosas e poder estar junto à amada Ana Moura, viver este momento, é de grande satisfação para mim.”

Assim, o La Linea promete agradar os ouvintes da língua portuguesa. O festival conta também com as apresentações de Daymé Arocena, La Yegros e Chico Trujillo, entre outros artistas.

LA LINEA FESTIVAL

Quando: 17 a 28 de abril

Onde: vários locais

Info: www.comono.co.uk/la-linea