Estatísticas e projeções econômicas não justificam alarmismo dos pessimistas, mas freiam euforia dos otimistas. Nas ruas, população reage às medidas de austeridade e às denúncias de corrupção. As peças do quebra-cabeça Brasil estão à mesa
Por Wagner de Alcântara Aragão
Política e economicamente o Brasil enfrenta um dos momentos mais complexos do último decênio. Apesar do bombardeio diário de notícias e informações sobre escândalos de corrupção e de projeções desfavoráveis de indicadores econômicos, é exagero dizer que o país afunda em crise. Há também resultados satisfatórios em alguns setores da economia. E se as denúncias vêm à tona com mais frequência nos dias que correm isso não significa que os desvios sejam maiores do que antes; indica, aí sim, que más condutas cada vez menos passam despercebidas e estão mais sujeitas a punições.
Há, porém, uma sensação quase generalizada de que, em relação às recentes conquistas sociais e econômicas, existem ameaças iminentes. O mercado de trabalho se mantém aquecido e a renda do trabalhador segue em alta, mas o Produto Interno Bruto (PIB) patina e pode retrair em 2015, com inflação maior (ver indicadores no final da matéria).
Além disso, segue em andamento uma série de medidas impopulares, tomadas em sua maior parte pelo governo federal, mas também por governos estaduais e prefeituras. São aumentos de tributos a penalizar principalmente os trabalhadores, com restrições a benefícios previdenciários, cortes em orçamentos de serviços públicos como saúde e educação e reajuste de tarifas do transporte urbano, energia, água e combustíveis. Um conjunto de ações rotuladas de “ajuste fiscal” que tem como objetivo garantir a meta governamental de superávit primário (economia para pagar juros da dívida pública) em 2015, que é de 1,2% do PIB – cerca de R$ 110 bilhões. Na prática, no entanto, contribuem para alimentar o clima de insatisfação, encurtando o caminho para se chegar à alarmada crise.
“O ajuste fiscal só aprofundará os problemas econômicos, sociais e políticos do Brasil. A chamada austeridade recairá, como sempre, sobre os trabalhadores, a classe média e o setor produtivo, reduzindo as margens de crescimento”, adverte o professor de Economia Luciano Wexell Severo, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). “O ajuste e a suposta austeridade só servem para beneficiar ainda mais o mercado financeiro, que exige taxas de juros altas e o fiel pagamento da dívida pública. Os gastos cortados são com pessoal, com investimentos e com a infraestrutura social. As despesas reservadas para o pagamento da dívida são intocáveis”.
CORREÇÃO DE RUMO
A presidenta Dilma Rousseff (PT), nas raras aparições e declarações públicas desde que iniciou seu segundo mandato, tem argumentado que o chamado ajuste fiscal é imprescindível para o país retomar o caminho do crescimento econômico. “Estamos entrando agora numa nova fase de enfrentamento da crise internacional, em que medidas serão necessárias para uma nova trajetória para crescermos”, declarou no início do mês durante entrega de 1.472 moradias do Programa Minha Casa Minha Vida em Arauguaria, Minas Gerais. “Queremos melhorar ainda mais o que conquistamos. Por isso, estamos fazendo correções e ajustes”, completou a governante.
Não é o entendimento dos brasileiros. Principalmente por conta dos aumentos na conta de luz e na gasolina, há um descontentamento quase que generalizado com o começo de segundo mandato de Dilma. A mais recente pesquisa sobre a popularidade da presidenta disponível até o fechamento desta edição, feita pelo Datafolha e divulgada no início de fevereiro, mostrava que 44% dos entrevistados consideram o governo ruim ou péssimo – quase o dobro do verificado meses antes, em dezembro, quando o percentual era de 24%. O índice dos que consideram a gestão ótima ou boa, por sua vez, despencou de 42% em dezembro para 23% no mês passado.
A queda na popularidade não é privilégio apenas da presidenta Dilma. A mesma pesquisa Datafolha identificou insatisfação dos paulistas com o governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB) – o percentual dos que avaliam a administração dele como ruim ou péssima também quase dobrou, alcançando 24% –, e com o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT) – índice de 44% de ruim ou péssimo.
No dia 26 de fevereiro, Alckmin viu na porta do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual e residência oficial do governador, uma manifestação encabeçada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) contra a falta de água no Estado. Milhares de pessoas participaram do ato (até 10 mil manifestantes).
LEVANTE NO PARANÁ
A maior demonstração de insatisfação e inquietude contra medidas impopulares veio do Paraná. Em greve, servidores públicos estaduais – em sua maioria professores e funcionários das escolas – promoveram praticamente um levante contra o corte de recursos para a educação básica e superior e contra um pacote de ajuste fiscal enviado pelo governador Beto Richa (PSDB) à Assembleia Legislativa no começo de fevereiro. O pacote de medidas incluía eliminação do fundo previdenciário do funcionalismo, extinção de mecanismos de ascensão na carreira dos educadores e redução drástica em benefícios como adicional por tempo de serviço e auxílio transporte.
Em 10 de fevereiro, antevendo que as propostas enviadas pelo governador seriam aprovadas pela maioria dos deputados estaduais, os trabalhadores do serviço público ocuparam o plenário da Assembleia Legislativa, em Curitiba, interrompendo a sessão de apreciação do pacote. Os manifestantes permaneceram acampados por toda a noite e o dia seguinte, do lado de dentro e de fora do Legislativo, obrigando os deputados, no dia 11, a retomarem a apreciação numa sessão realizada no refeitório da Assembleia. No dia 12, quando ocorreria a sessão de votação definitiva dos projetos do governador, milhares de manifestantes cercaram a Assembleia para bloquear a entrada dos parlamentares e, assim, impedir a votação.
Transportados por um micro-ônibus blindado do batalhão de choque da Polícia Militar – uma espécie de camburão onde são levados detidos – e isolados por um cordão de policiais em solo, os deputados conseguiram furar o cerco dos manifestantes, e entraram na Assembleia Legislativa por uma passagem improvisada. Subiram ao refeitório para iniciarem a sessão, mas, tão logo os trabalhos foram abertos, do lado de fora, indignada e revoltada, a multidão conseguiu se sobrepor ao isolamento policial (que não impôs a resistência costumeira), derrubar cercas e ocupar totalmente a Assembleia Legislativa. Acuados, temendo uma tragédia, os deputados, atendendo à reivindicação dos manifestantes, conseguiram do governador Beto Richa a retirada do pacote de medidas da pauta.
O recuo do governador e dos deputados de sua base não bastou para por fim às manifestações. Os professores e funcionários tanto das escolas como das universidades estaduais mantiveram a greve, cobrando do Governo do Estado a retomada no repasse de recursos para a manutenção dos estabelecimentos de ensino e o cancelamento de medidas administrativas que vinham sendo tomadas pelo Estado desde o final de 2014. Os educadores promoveram outras duas grandes marchas por ruas centrais de Curitiba, no dia 25 de fevereiro (de 40 mil a 50 mil pessoas) e no dia 4 de março (20 mil pessoas).
A insatisfação com a gestão de Beto Richa no Paraná não é só dos servidores públicos. Reeleito em outubro de 2014 no primeiro turno, com 56% dos votos válidos, o governador do PSDB viu sua popularidade despencar. Levantamento do instituto Paraná Pesquisas divulgado neste mês de março aponta que 76% dos paranaenses entrevistados reprovam o segundo mandato de Beto Richa.
CAMINHONEIROS
Também no Paraná e em pelo menos mais dez Estados brasileiros a última semana de fevereiro e a primeira de março foram marcadas por protestos de caminhoneiros que bloquearam dezenas de rodovias federais e estaduais. Entre os motivos, dois principais: o recente aumento no preço do diesel e as elevadas tarifas de pedágio. A paralisação dos caminhoneiros chegou a prejudicar o abastecimento de indústrias e supermercados e o escoamento da safra agrícola. O governo federal recebeu lideranças do movimento a fim de negociar um acordo – a sanção de uma lei de regulamentação da categoria, aprovada ano passado pelo Congresso Nacional, atendeu parte dos pleitos. A redução no preço dos combustíveis foi descartada.
Ainda para a primeira metade de março outras duas manifestações eram aguardadas com expectativa. Uma delas, agendada para 13 de março, prometia reunir em diversas cidades sindicalistas, integrantes de movimentos sociais e lideranças políticas de esquerda. A mobilização teve convocação oficial de dezenas de entidades e contava com um aliado de peso – o ex-presidente Lula. A mobilização tem como bandeiras o apoio à Petrobras (desgastada pela Operação Lava Jato) e o combate à corrupção, todavia “contra o viés golpista dado aos fatos pela direita e os setores conservadores da sociedade”.
Os atos de 13 de março surgiram como resposta a convocações feitas, principalmente por redes sociais, para manifestações marcadas para 15 de março, pedindo o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Desde que perdeu as eleições presidenciais de outubro, setores da direita esboçam movimentos com o intuito de destituir Dilma. Diante das medidas impopulares, de ajuste fiscal, tomadas pela presidenta depois de reeleita, os defensores do impedimento de Dilma apostam fichas na insatisfação popular para lograr êxito.
INDICADORES
- Produto Interno Bruto (PIB): O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta para 2015 um crescimento de 0,3% do PIB brasileiro. Internamente, o mercado prevê retração de até 0,5% para o país. O próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy, admitiu a possibilidade de recuo. O PIB de 2014 será anunciado no dia 27 de março – no acumulado de 12 meses encerrados em setembro último, o crescimento foi de 0,7%.
- Mercado de trabalho e renda: O desemprego nacional terminou 2014 com taxa média de 6,8%, menor que os 7,1% de 2013 e que os 7,4% de 2012. No ano passado, o mercado formal de trabalho gerou saldo positivo de 397 mil empregos, acréscimo de 1% sobre 2013. Na mesma comparação, o salário médio subiu 7%, alcançado R$ 1.181,56/mês. O atual salário mínimo (R$ 788/mês) tem o maior poder aquisitivo desde 1965.
- Indústria, comércio e serviços: Em 2014, a produção da indústria brasileira caiu 3,2% em relação a 2013. Já o comércio viu subir a receita, no mesmo período, em 8,5%; em volume de vendas, o crescimento foi de 2,2%. O setor de serviços terminou 2014 com crescimento nominal de 6% sobre 2013.
- Inflação: A inflação de 2014 foi de 6,1% e ficou dentro do teto da meta (6,5%) estipulada pelo Banco Central. No acumulado em 12 meses encerrados em fevereiro último, o índice está em 7,7%, puxado sobretudo pelas altas dos combustíveis, energia elétrica e tarifas de ônibus dos dois primeiros meses de 2015.
Fontes: IBGE, Ministério do Trabalho e Banco Central