Editorial: Um país atormentado

brasilobserver - mar 13 2015
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(Read in English)

Esta edição do Brasil Observer circula em Londres desde sexta-feira 13 de março. Dia de má sorte, lembrarão alguns. As atenções, porém, estavam mesmo no que poderia acontecer no domingo 15, dia para o qual estavam marcadas, em diversas cidades do país, manifestações pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT).

Difícil prever o que aconteceria. Em um país como o Brasil, onde a narrativa dos acontecimentos permanece na mão de poucos, os interesses políticos e econômicos de uma minoria normalmente se sobrepõem à realidade dos fatos – independentemente da posição ideológica. Dessa forma, é seguro afirmar que enquanto alguns usarão as manifestações para desestabilizar o governo federal, outros tentarão deslegitimar os protestos. Aqui, os dois lados falham.

O Brasil Observer considera o direito de manifestação e expressão um pilar fundamental da democracia – por isso defendemos, em outras oportunidades e agora, uma reforma democrática da mídia, para que as concessões públicas de rádio e televisão atendam aos critérios previstos na Constituição de 1988. Acreditamos, portanto, que os protestos contra o atual governo – e qualquer outro – são legítimos.

Não nos furtamos de constatar, porém, que não há base jurídica para um pedido de impeachment. O afastamento do presidente está previsto no artigo 85 da Constituição e pode acontecer em casos de crimes de responsabilidade, entre os quais estão, por exemplo, crimes contra a existência da União, o exercício de direitos políticos, sociais e individuais e contra a probidade administrativa. Até que se prove o contrário, nada evidencia uma relação direta de Dilma Rousseff a alguma prática criminosa por dolo (quando há intenção).

Além disso, o Brasil não vive uma crise institucional – a condução até aqui da Operação Lava Jato, que investiga irregularidades na Petrobras, comprova que as instituições funcionam. A turbulência política é causada principalmente pelo quadro de recessão econômica – além dos próprios escândalos de corrupção e da falta de habilidade de Dilma e sua equipe na relação com a base aliada no Congresso.

Após a reeleição de Dilma, o Brasil Observer ressaltou que na definição da estratégia para a retomada do crescimento estava a principal armadilha para o governo. Como previsto, ao adotar as medidas que combateu durante a campanha eleitoral – ajuste fiscal – para ganhar credibilidade junto ao mercado e seus adversários, Dilma perdeu capital político na correlação de forças nacional. Pior que isso, perdeu o apoio daqueles que votaram nela. Foi ingênuo pensar que, ao fazer o que pregavam seus adversários, conseguiria apaziguar os ânimos dos que não lhe concederam o voto. Resultado: insatisfação generalizada (leia a matéria de Wagner Aragão).

Esse clima de instabilidade política é péssimo para o problema central e imediato do país: a estagnação econômica. Se o governo não consegue articular no Congresso nem as medidas de ajuste fiscal que quase todos concordam ser necessárias, que dirá outras iniciativas fundamentais para destravar o crescimento, como as reformas trabalhista e tributária, além do aumento dos investimentos. Um impeachment agravaria ainda mais essa realidade, com consequências mais danosas às conquistas sociais da última década.

Sobre a corrupção, mal antigo e crônico no país, o Brasil Observer não esmorece: no poder, o PT se mostra incapaz de seguir caminho diferente daquele adotado tradicionalmente por todos os outros partidos. O julgamento e a possível condenação de políticos e executivos de grandes empresas indiciados pela Operação Lava Jato enche o país de esperança. Por si só, porém, isso não é o bastante.

As empreiteiras investigadas por irregularidades em contratos com a Petrobras estão entre os maiores doadores para campanhas políticas. Quase todos os partidos recebem doações de empresas que, obviamente, visam com isso garantir benefícios futuros. Este é um dos maiores males de nosso jovem sistema democrático, pois deturpa o conceito básico de uma pessoa, um voto, e ainda gera possibilidades infinitas de corrupção. Para enfrentar seriamente o problema, é necessária uma reforma política que, no mínimo, proíba doações para campanhas políticas por parte de empresas privadas.

Por fim, vale dizer que o PT erra ao considerar os movimentos pelo impeachment de Dilma como manifestações de uma elite branca movida pelo ódio de classe. Isso de fato existe, é inegável, mas não explica totalmente o desgaste do partido que está no poder desde 2002. Não é só a elite que está insatisfeita com o atual governo.

Os avanços sociais e econômicos da última década não vieram acompanhados de maior conscientização política e democrática por parte dos cidadãos – nem por parte dos partidos. O reflexo é o que vemos: um país atormentado que, meses depois das eleições, ainda não sabe o que o resultado das urnas quis dizer.