‘No Brasil não se pode antecipar nada, é uma montanha-russa de surpresas’

Brasil Observer - fev 13 2017
Embaixador britânico no Brasil, Alex Ellis, prestigia o show da banda All You Need is Love no terraço da loja GREAT na Rock Street. Foto: André Mourão.
Alex Ellis durante o Rock in Rio (Foto: André Mourão)

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Ex-embaixador Alex Ellis fala sobre sua experiência em terras brasileiras e o que espera da saída do Reino Unido da UE

 

Por Guilherme Reis

Alex Ellis serviu como embaixador britânico no Brasil por três anos e meio. Foi um período, no mínimo, agitado, com Copa do Mundo, Olimpíada, impeachment, entre outros fatos mais ou menos gloriosos.

Convidado para fazer parte da equipe que negociará a saída do Reino Unido da União Europeia, Alex Ellis deixou o posto brasileiro no mês passado – e que será preenchido por Dr. Vijay Rangarajan, ex-diretor para a Europa no Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido.

Nesta entrevista exclusiva ao Brasil Observer, o ex-embaixador conta suas impressões sobre o Brasil e o que espera das negociações do Brexit.

 

Caro Embaixador, o senhor serviu no Brasil durante um período bastante “agitado”, digamos. Copa do Mundo, Jogos Olímpicos, manifestações, impeachment, crise política e econômica… Qual é a avaliação que o senhor faz agora que está deixando o cargo?

Eu vejo muita mudança. Muita mudança de nomes no poder, mas também mudança de atitude em relação à impunidade. Cheguei durante a fase de julgamento do ‘Mensalão’ e desde então tem sido forte o ataque a práticas tradicionais no Brasil, o que tem sido muito positivo. Outra coisa que tenho visto é a resiliência das instituições brasileiras e também do povo brasileiro. As instituições de maneira geral e os tribunais têm funcionado como devem funcionar. E ao mesmo tempo o povo consegue se adaptar (com dificuldades, é claro) a uma recessão enorme.

 

O Brasil correspondeu às expectativas que o senhor tinha antes de assumir o cargo ou te surpreendeu em algum aspecto?

O Brasil vende uma imagem meio estereotipada para fora, de praia, futebol, samba e carnaval. Como qualquer estereótipo, existem elementos verdadeiros. Mas o que eu descobri foi a criatividade. O Brasil talvez seja o país mais criativo onde eu vivi. E não só a elite, mas toda a gente. Criatividade pode ser uma coisa ruim ou boa, dependendo do contexto, mas em relação à arte, cultura, dança e música é absolutamente fantástico. É uma riqueza profunda. Acho que o Brasil pode mostrar ainda mais. Mostrou em parte durante as Olimpíadas, mas pode mais.

Outro ponto é a complexidade do país. O Brasil é um país complexo. As pessoas aceitam e até gostam dessa complexidade. E o calor humano, que é um clichê, mas é importante. Quando eu cheguei, nas primeiras semanas fui ao supermercado comprar algumas coisas e tinha uma lista que não sabia direito, então um senhor me ajudou a encontrar o que eu precisava. Isso é uma das coisas que vai ficar na minha memória.

 

Ainda vivemos um período de grande turbulência política e econômica. Em sua opinião, o Brasil pós-impeachment está mais perto ou mais longe de resolver seus problemas?

O Brasil passa por uma enorme recessão. Sem resolver o déficit orçamentário é muito difícil resolver outras questões econômicas. Tivemos uma situação parecida no Reino Unido em 2010 que obrigou uma forte política de redução de gastos, então acho isso inevitável e necessário para avançar. A questão da Lava Jato tem um grande apoio popular e precisa de mais tempo. Acho que o Brasil está avançando muito nesta área. O problema é que se você olha de um ano para o outro tem a sensação de que não avança. Mas olhe 20 anos atrás, no início da década de 1990, e verá que o país está totalmente transformado.

 

Qual sua expectativa para o Brasil em 2017? Você vai continuar sugerindo que as empresas britânicas invistam no Brasil?

Eu aprendi que no Brasil não se pode antecipar nada, é uma montanha-russa de surpresas. Já temos enormes investimentos de empresas britânicas no Brasil: Shell, Unilever, BP, Land Rover… Nós somos o quarto maior investidor no Brasil. Então sim, eu digo que deve continuar investindo. Alguns investidores pararam por conta das incertezas políticas, o capital em geral não gosta de incertezas, mas eu acho que o Brasil é um país não só de potencial, mas tem um mercado consumidor grande, riquezas naturais e muitas oportunidades. Vejo uma oportunidade muito grande na área de serviços públicos básicos, educação, saúde…

 

Mudando de assunto, o senhor agora vai ter um papel importante nas negociações do Brexit. O que o senhor pode adiantar sobre qual estratégia será adotada pelo Reino Unido?

O voto foi claro e decisivo para nossa saída da União Europeia. A participação foi alta para nossos padrões (72%), então temos que avançar. Temos a realidade de hoje, somos membros da União Europeia, e temos um desejo muito grande do governo de manter uma relação muito próxima dos países membros da UE. Como chegar daqui para lá é a grande pergunta. Exige negociação. Temos de tentar resolver o maior número de problemas possível. Será possível fazer tudo em dois anos? Não é impossível, mas é difícil. Será que precisaremos de mais tempo? Teremos de criar um regime transitório? Essas são grandes questões. Tudo vai ficar mais claro ao longo das negociações. Não vai ser fácil.

 

Há muitas incertezas sobre o futuro do Reino Unido por conta do Brexit, especialmente para os imigrantes. Que tipo de garantia os cidadãos europeus que já vivem no Reino Unido podem ter?

Por enquanto nada muda. Os brasileiros com passaporte europeu no Reino Unido têm os direitos mantidos até o dia em que sairmos da União Europeia. O depois ainda vamos determinar. Temos sido um país aberto, não exigimos visto para o turista brasileiro, por exemplo.

 

Os europeus precisarão de visto para entrar no Reino Unido?

Depende do que a pessoa vai querer fazer, turismo ou trabalho. Evidentemente que os direitos dos cidadãos europeus no Reino Unido vão mudar quando sairmos da União Europeia. Vamos avaliar que direitos e oportunidades poderemos oferecer para os cidadãos da UE e de fora.

 

Como o Brasil pode aproveitar esta situação do Brexit?

Vejo nossa saída da União Europeia como uma grande oportunidade para fortalecer a relação com o Brasil. E acho que o Brasil também vê o Brexit como uma grande oportunidade, como disse o Itamaraty. O Brasil está se internacionalizando rapidamente e o Reino Unido, que já é um país internacional, vai se adaptar a uma nova realidade, se aproximando ainda mais de países como o Brasil. Já temos feito muita coisa e acho que a próxima década vai ser de ainda mais aproximação.

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